segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O professor na construção do conhecimento do aluno

Texto de Sandra Mayumi Murakami
O aluno é protagonista e agente ativo de seu processo de construção de conhecimentos. Atualmente, tal afirmação parece conhecida por todos e de unânime consideração por parte dos envolvidos em educação.
Mas, qual é o papel do professor a partir dessa afirmação?
Considerar o aluno como intelectualmente ativo significa supor um professor passivo?
Significa designar ao professor o papel de mero espectador da construção de conhecimentos que o aluno percorre paulatinamente?
Numa concepção construtivista de educação, o professor não é, nem tampouco pode ser, mero espectador da construção de conhecimentos de seus alunos. Cabe a ele o papel de organizar as situações de aprendizagens, as intervenções pedagógicas que auxiliem os alunos em suas próprias construções, que considere seus conhecimentos e os mecanismos envolvidos nessa construção, além das questões relacionadas à didática do objeto a ser ensinado e aprendido.
A atuação do professor torna-se necessária para que os alunos avancem, aprendam e desenvolvam suas competências, em situações didáticas planejadas, com objetivos previamente definidos, em tarefas que propõem desafios, com organização das formas de trabalho, previsão do tempo a ser utilizado e intervenções pedagógicas consistentes.
Mas, como isso se realiza na prática pedagógica? Como realmente realizar intervenções pedagógicas adequadas para que os alunos avancem em seus conhecimentos? O que se deve levar em conta para que a aprendizagem realmente ocorra?
Estas são questões que rodam o cotidiano dos educadores compromissados com sua prática, que esperam que seus alunos estejam envolvidos em uma realidade de sucesso escolar e não do fracasso, como tem sido.
Não existem fórmulas mágicas, nem receitas a serem seguidas para que os professores possam garantir que seus alunos aprendam. Mas, existem alguns pressupostos importantes, que necessitam ser considerados no processo de ensino e aprendizagem e que podem auxiliar na reflexão sobre como proceder para que a aprendizagem ocorra.
Em um contexto que considera o aluno como construtor de conhecimentos, o professor deixa de ser mero transmissor de conhecimentos definidos por uma lógica externa ao aluno, para considerar seus conhecimentos prévios, as suas possibilidades de aprendizagem e as características do objeto a ser ensinado.
É fundamental que os professores consigam conhecer o que seus alunos sabem sobre o objeto de conhecimento a ser ensinado e aprendido, pois é a partir da possibilidade de relacionar o novo conhecimento com o conhecimento que possui que a aprendizagem ocorre. Assim, quando o professor toma conhecimento sobre os conhecimentos prévios de seus alunos pode planejar situações didáticas que tentem garantir a aprendizagem, ou seja, que permitam que o aluno consiga estabelecer relações substantivas e não-arbitrárias entre o que aprendeu e o que já conhecia.
As situações didáticas planejadas não podem considerar que o simples contato do aluno com o objeto de conhecimento promova a aprendizagem, ou que a simples imersão do aluno em ambientes informadores garanta o aprendizado. Caso isso ocorresse, não teríamos membros não alfabetizados em comunidades letradas. A intervenção pedagógica deliberada é essencial para que a aprendizagem ocorra, o professor deve planejar situações desafiadoras, ou seja, boas situações de aprendizagem.
Segundo Weisz, as atividades planejadas pelos professores, para terem valor pedagógico e serem boas situações de aprendizagem, devem considerar alguns princípios:
o Os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar:
Em uma atividade em que os alunos colocam seus conhecimentos de maneira que seja desafiante, as respostas não podem ser de memória, nem óbvias ou imediatas, devem mobilizar os conhecimentos dos alunos para a construção da solução.
o Os alunos têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõem a produzir:
A aprendizagem por resolução de problemas não se restringe aos problemas matemáticos, mas se relaciona à idéia de que o conhecimento avança à medida que o aluno tem bons problemas sobre os quais pensar. As atividades que propõem um bom problema e as que estabelecem desafios para que os alunos avancem ficam na intersecção entre o difícil e o possível.
o A organização da tarefa pelo professor garante a máxima circulação de informação possível:
A situação de aprendizagem, ao possibilitar a interação entre os alunos e também com o professor, proporciona a troca de informações. Os alunos discutem possibilidades de respostas e de perguntas, questionam e explicam como estão pensando determinada questão e trocam opiniões. Nesses momentos os alunos, por terem conhecimentos diferenciados, podem entrar em contato com formas variadas de resolução ou obterem informações que sozinhos não teriam.
o conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real, sem se transformar em objeto escolar vazio de significado social:
Em algumas situações, foram criadas práticas que transformaram o conteúdo em um objeto que só tinha vida dentro da sala de aula, não existindo fora do ambiente escolar, como por exemplo: a cartilha, as redações.
É importante manter, ao máximo, as características do objeto a ser ensinado e aprendido como se ele existisse fora da escola, para que os alunos estabeleçam relações entre o que aprendem e o que vivem e possam fazer uso de suas aprendizagens e, assim, continuar aprendendo.
Para exemplificar, tomamos aqui a descrição de uma atividade apresentada por Durante em seu livro sobre alfabetização de adultos:
O objetivo era propor uma situação-problema para levantamento dos conhecimentos prévios referentes ao tema estudado (Projeto: produção de um livro com textos informativos sobre AIDS).
Com os conhecimentos que você tem, resolva o problema: Todos os dias, vemos pela televisão ou lemos nos jornais notícias que contam sobre pessoas que morreram com AIDS. Usamos banheiros públicos, sentamos nos bancos dos ônibus, trens e metrôs, onde sentam milhares de pessoas que não conhecemos. Falamos, beijamos e respiramos próximos a outras pessoas. Se não sabemos quem está ou não com AIDS e se é tão perigosa, como não estamos todos contaminados pelo vírus da AIDS?
A atividade teve ainda vários outros encaminhamentos, pois se configurava como um projeto, tendo como um produto final um livro com textos informativos sobre o tema.
Com essa proposta inicial de trabalho, o professor pôde, além de levantar o que os alunos sabiam sobre os conteúdos, colocar uma situação-problema em que realmente os alunos necessitaram pensar sobre o que sabiam, verificar possíveis contradições entre o que cada um sabia, indicou a necessidade de estudo e pesquisa sobre o tema para que respondessem a dúvidas, curiosidades e, ainda, ampliassem seus conhecimentos. Essa atividade gerou uma grande circulação de informações, pois todos os alunos possuíam um repertório variado de conhecimentos sobre o tema, e fez com que os alunos colocassem em jogo tudo o que sabiam para chegar ao que não sabiam, para produzirem os textos informativos destinados a compor o produto final do projeto: o livro.
Essa atividade procurou manter as características socioculturais do objeto a ser estudado, pois lidou com o tema real, com preocupações que fazem parte do dia-a-dia dos alunos, com as discussões polêmicas que realmente ocorrem sobre o tema. Além disso, organizou a atividade em torno de uma produção textual que também existe fora do ambiente escolar, que foram textos organizados em um livro que puderam ser veiculados na comunidade escolar e na comunidade em que viviam os alunos, cumprindo assim sua função social de informar sobre um tema e possibilitar a consciência para a prevenção da doença.
Para tomar decisões didáticas e planejar as atividades para serem boas situações de aprendizagem, o professor deve considerar: o nível de desafio das atividades; as intervenções pedagógicas mais adequadas; as formas de agrupamento e a seleção dos materiais.
Quanto ao nível de desafio, como verificamos, as atividades devem levar em conta os princípios apresentados para que seja uma boa situação de aprendizagem, mesmo que nem sempre estejam presentes todos os pressupostos pedagógicos simultaneamente, pois dependerá do conteúdo e dos objetivos da atividade. Mas, a atividade deve sempre propor uma situação-problema que leve os alunos a pensar e tomar decisões e que seja ao mesmo tempo possível, mas difícil.
As perguntas e sugestões do professor, bem como as informações oferecidas aos alunos, devem favorecer a reflexão sobre o objeto para que possam avançar em seus conhecimentos. Caberá ao professor perceber o limite entre a possibilidade de problematização e a necessidade de informação, ou seja, quando ainda é importante o professor colocar perguntas para que os alunos continuem pensando e quando é necessário informar, pois os alunos já colocaram em jogo tudo o que sabem e necessitam de dados para continuar pensando.
As formas de agrupamento, ou seja, as parcerias devem ser produtivas para a aprendizagem. Isso se define em função do conhecimento que o professor tem sobre os alunos e sobre o objetivo da aprendizagem. Assim, para se pensar as formas de agrupamentos e para que a interação ocorra de maneira que promova a aprendizagem, é fundamental conhecer o que seus alunos sabem e ter clareza dos objetivos da atividade.
Um exemplo de formas de agrupamentos que podem auxiliar no desenvolvimento da atividade relaciona-se às parcerias que podem ser organizadas para que os alunos realizem uma atividade de leitura ou de escrita. De acordo com os objetivos da atividade, o professor pode planejar parcerias de alunos com hipóteses de escrita(1) próximas ou distantes, para que a troca de informações a partir do que cada um sabe sobre o sistema de escrita possa fazer com todos avancem em seus conhecimentos.
Cabe também ao professor organizar e escolher previamente os materiais necessários para uma determinada atividade, considerando que também isso faz parte de seu planejamento e auxilia na promoção da aprendizagem. O contato com materiais diversificados de qualidade pode ainda proporcionar aos alunos uma interação com objetos sociais que existem fora da escola.
Professores e alunos são protagonistas do processo de ensino e de aprendizagem. Cada um desempenha um papel e possui objetivos diferentes. Os alunos têm o objetivo de aprender e os professores, o objetivo de ensinar.
É importante:
"Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção."
Paulo Freire
Bibliografia:
COLL, César. Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
DURANTE, Marta. Alfabetização de adultos: leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LERNER, Délia. O ensino e o aprendizado escolar: argumentos contra uma falsa oposição. In: CASTORINA, José Antonio et alii. Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. 4ª ed., São Paulo: Ática, 1997.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Pensar a educação: contribuições de Vygotsky. In: CASTORINA, José Antonio et alii. Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. 4ª ed., São Paulo: Ática, 1997.
WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000.
NOTAS
*'Pedagoga; Consultora do MEC.
(1)As hipóteses de escrita referidas são as estudadas por FERREIRO & TEBEROSKY e apresentadas no livro Psicogênese da Língua Escrita, da Editora Artes Médicas. E são definidas como: hipóteses pré-silábica, silábica, silábico-alfabética e alfabética.

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