terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Haiti.
(Caetano Veloso e Gilberto Gil, letra de Caetano Veloso)
Quando você for convidado pra subir no adro da
Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro possam
estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque com a pureza de
meninos uniformizados
De escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém
Ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do Pelô
E se você não for
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

E na TV se você vir um deputado em pânico
Mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo
Qualquer qualquer
Plano de educação
Que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua
sobre um saco brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina
111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos
Ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui 


"Faz 17 anos que Caetano Veloso e Gilberto Gil comemoraram, com um belíssimo disco ("Tropicália 2"), os 25 anos da Tropicália, movimento artístico integrado por eles e por gente do calibre de Rogério Duprat, Torquato Neto, Os Mutantes, José Carlos Capinan e o grande Tom Zé.
O CD "Tropicália 2" é aberto pela antológica "Haiti", melodia de Caetano Veloso e Gilberto Gil, com letra (só) de Caetano Veloso, "O Haiti foi a primeira nação negra das Américas e chegou a ter importante papel no cenário econômico internacional, como grande produtor de açúcar. Depois de idas e vindas em embates com a metrópole (França), da independência, de drásticas mudanças na cadeia produtiva, da invasão (no século 20) por fuzileiros navais americanos, o país chegou à sanguinária ditadura Doc (Papa Doc e Baby Doc) e à condição de mais pobre país das Américas".
Quando Caetano diz "O Haiti é aqui / O Haiti não é aqui", refere-se ao fato de que, em muita coisa, o Brasil e o Haiti são semelhantes. Refere-se também ao fato de que, pelas semelhanças (histórica, étnica, econômica, sobretudo quando se trata de alguns estratos da sociedade brasileira, do resultado da monocultura do açúcar etc.), certa parcela do Brasil pode, sim, ter o mesmo destino do Haiti (se é que já não o tinha ou tem), daí o pedido para que pensemos no Haiti e rezemos por ele, o que, ao fim e ao cabo, implica pedir que se pense nesse estrato do Brasil e se reze por ele.
A realidade Haitiana não é tão distante da realidade dos morros cariocas, ou das catastrófes que acontecem por falta de zelo a coisa pública, do olhar sério para políticas públicas do nosso país.
Quando lembro dos 111 mortos no Carandiru me faz pensar que o Haiti é aqui, , quando penso na Candelária me faz pensar que o Haiti é aqui, quando penso que junto de cada mansão existente no Brasil tem uma favela próxima me faz pensar que o Haiti é aqui, quando precisamos do exército para entrar no morro me faz pensar que o Haiti é aqui, 17 anos se passaram e parece que Caetano escreveu a canção no dia da tragédia, já revista por muitos, diga-se de passagem, mas que só agora ganha o cenário mundial.
Quantos Haitis ainda terão que existir para que tenhamos dignidade, honradez e respeito pelo ser humano indeendente, de condição social, cor, raça ou credo?
Isa Croesy



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